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Welcome to Boot Camp

       A estadia na maternidade foi uma experiência dura. Por um lado ansiava ir para a privacidade da minha casa viver aquele momento com o pai do meu filho e, por outro, as condições e a organização da maternidade tinham várias fragilidades. Para o pai que acompanhava o parto não havia sequer uma cadeira para se sentar....depois de 30 horas a acompanhar todo o processo,  sem dormir, essa passa a ser uma questão fundamental.
      Como recepção de boas vindas a obstetra  de serviço recusou assinar a minha entrada na maternidade por ter optado pelo parto natural.   
     Ao longo do trabalho de parto tive de continuar a lidar com as lutas internas da maternidade relativamente aos profissionais a favor e contra o parto na água tendo sido pressionada psicologicamente por uma das obstetra  que esfregou as mãos de contentamento quando tudo culminou numa cesariana... estava até  efusiva enquanto a realizou.
     Cerca de 4 horas após a cesariana tínhamos de tomar banho, as dores eram horríveis sempre que tentava mover-me e ainda lidar com a indiferença e a falta de sensibilidade das auxiliares que nos davam banho e ordens impacientes sobre como deveríamos agir.   Cheia de dores, atordoada pela falta de sono e pela medicação, aquela invasão de privacidade pela falta de  empatia demonstrada era um momento no mínimo surreal e bizarro...concentrei o meu pensamento no meu filho.
      Apesar de estarmos em Maio a maternidade era tão quente que parecia estarmos num tórrido dia de Verão suando constantemente.
      Os meus pés estavam tão inchados que pareciam que iam rachar à mínima tentativa de caminhar. 
      A maternidade apesar de ter vários quartos vazios, as parturientes eram concentradas todas no mesmo. Eram quatro camas por quarto.
     No quarto onde estávamos, dois dos outros bebés tinham nascido de cesarianas feitas com anestesia geral. Eram bebés particularmente irritáveis  que choraram sem parar desde que nasceram, provavelmente, pelas circunstâncias dos seus nascimentos.  As mães destes bebés passavam o tempo a tocar à campainha pedindo socorro às enfermeiras por não entenderem o que se passava com os seus bebés, incapazes de os acalmar  e completamente dominadas pelo sono.  O terceiro bebé tinha nascido de parto vaginal com epidural mas tinha uma inflamação acentuada nos olhos que o incomodava e o impedia de sossegar.
       Este quarto foi particularmente barulhento, o mínimo de privacidade, tranquilidade e silêncio era totalmente impossíveis. Noite e dia a agitação era constante.
       Quanto às enfermeiras, havia para todos os gostos: desde as que agrediam as parturientes, às que tinham um certo prazer em verbalizar às mães a sua incompetências pois os bebés calavam-se no colo delas, as especialistas das cólicas que as tinham como única explicação para o choro dos bebés fazendo prolongadas demonstrações sobre massagens, as especialistas radicais sobre amamentação, às mais adequadas e assertivas.
       Depois havia o ritual de tortura que era repetido duas vezes ao dia e as barrigas de cesariana tremendamente doridas eram fortemente calcadas e iniciava-se uma sessão de gemidos que ecoavam pelo quarto.
      Um dos obstetra que após reclamar constantemente que as mulheres de hoje não sabiam "parir", diz-me num tom meio irónico que me ia fazer o favor de me arrancar gratuitamente o penso da costura da cesariana e puxou-o violentamente arrancando-me pele e carne ficando com mais uma cicatriz de "guerra" como recordação. As feridas ficaram cheias de cola do penso e tive direito a mais uma sessão de tortura infrutífera para tentar tirá-la. Numa tentativa de dar um toque cómico a toda a situação brinquei dizendo que entre a cicatriz da cesariana e a ferida iria tatuar : maternidade de Setúbal 2013. 
      A determinada altura, dado o Miguel estar sempre a mamar numa tentativa de se saciar, por o leite ainda não ter descido, os meus mamilos ficaram gretados e mal suportava qualquer roupa em cima.
Às duas da manhã tive direito a um raspanete de uma das  enfermeiras, que não primava nada pela simpatia, dizendo que eu teria de, obrigatoriamente, usar o soutien de amamentação.
     Com isto tudo eu tentava manter-me no máximo de privacidade com o Miguel, apesar de exausta mantive-me sempre alerta não tendo voltado a dormir até sair da maternidade.
       Os vários tipos de  violência subliminar muito presente naquele quarto deixavam-me espantada e a minha intuição dizia-me para ser o mais discreta possível e ficar no meu canto com o meu filho.
       Nos momentos que o Miguel dormia eu tentava auxiliar as outras mães que caiam de exaustão com os seus filhos no colo.   
       Exceptuando para o pai só havia uma hora de visita ao fim da manhã o que significou que recebi apenas uma visita  de uma amiga que morava na região dado que me encontrava longe de casa.
       A única noite que decidi abordar uma enfermeira foi na última. Doze horas depois do seu nascimento o Miguel começou a ficar agitado. Essa agitação foi crescendo. Devido à cesariana  o meu leite só desceu 6 dias depois. Na última noite na maternidade, o Miguel reclamava de fome e a perda de peso era visível  e partilhei essa minha preocupação com a única enfermeira presente, a do raspanete, que se limitou a dizer-me com marcado desprezo e virando-me as costas: “faça rifas e compre-as todas …”. Na altura nem entendi o comentário nem tive qualquer argumento ou reacção.
      No dia da alta da maternidade, veio uma pediatra dizer-me que o Miguel não podia ter alta devido à perda de peso. Eu que me tinha mantido tranquila até aquele momento desabei. Ficar ali mais um dia parecia-me incomportável. Argumentámos com a pediatra sobre os motivos de ser pior para mim e para o Miguel ficarmos internados. Expliquei o porque da perda de peso. Ela resistiu mas acabou por considerar os nossos argumentos e propôs que o Miguel fizesse análises antes de assinar a sua alta. Custou-me muito mas acedi. Pouco depois o Miguel volta com um lenço amarrado à volta da mão em que o tinham picado e recebo-o de coração apertado.
      Conseguimos sair da maternidade às 21:30 depois das análises confirmarem que estava tudo bem com o Miguel. Eu e o Paulo quase que corremos dali para fora  como quem sai de uma cela prisional  sem qualquer saudosismo e sem olhar para trás.
      Adeus boot camp!

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